Por Eloá Souza
Neste mês de agosto, completo 5 anos no caminho do Yoga. Coloco como um caminho, entendendo após esses cinco primeiros anos, que realizar a prática de yoga significa muito mais sobre nosso comportamento fora do tapete do que dentro dele. A origem da palavra yoga vem do sânscrito, língua antiga e sagrada da Índia e Nepal; sua raiz é “yuj”, que significa “unir” ou “integrar”. O caminho dessa prática milenar (cerca de 5 mil anos) possui as ferramentas necessárias para acessarmos a integração do corpo, mente e espírito, o que possibilita o reencontro com o Ser. Reconhecendo esse tripé que nos sustenta, estamos totalmente integrados com a Terra e o universo, onde todos formam um só organismo vivo. Nesse sentido, o autoestudo ou o autoconhecimento é a chave para conseguirmos encontrar o que nos impede de acessar essa totalidade ou esse estado pleno nas ações que realizamos cotidianamente.
Além disso, partindo do princípio da integração de todos os sistemas, o estudo dentro do Yoga nos oferece um espelho onde tudo se reflete. Se hoje nos encontramos adoecidos fisicamente e mentalmente, todo o sistema também está; a Terra também está. Sinto que esse pensamento presente dentro do Yoga e inclusive dentro da cultura dos povos originários, após um certo tempo de prática diária, silenciosamente nos atinge, e quando nos damos conta, já transformamos toda nossa vida em favor dele. O pensamento se torna uma verdade plena. Torna-se a própria vida.
O primeiro acesso que tive ao yoga foi durante o meu processo de gestação. Lembro que muitas amigas me contaram sobre como o yoga poderia me ajudar no parto normal e, pela sincronicidade do universo, no mesmo período encontro quem viria a ser minha primeira professora, Máira Santos. Lembro das minhas primeiras aulas em casa com ela e o processo dentro dos asanas para a abertura de quadril que, de fato, facilitaram o processo de nascimento do Túlio. Acredito que sem esse primeiro contato com o meu corpo, ainda muito adormecido, e minha respiração, o processo teria sido muito mais difícil. A respiração é o cerne; é aquela que nos conecta com o ritmo natural da terra, com o pulsar da vida e seu movimento infinito de inspiração e exalação, contração e expansão. Através da consciência dessa fonte sagrada, pude então dar vida a outro ser.
Na época, essas coisas nunca foram racionalizadas; estava totalmente entregue ao movimento do Yoga por ser atingida por uma prática que me trazia um alívio inexplicável em meio a tantas questões complexas que surgiram na minha vida na época, na gravidez e maternidade. Três meses após o nascimento do Túlio, eu já me sentia completamente pronta para retornar às aulas e assim fiz. Hoje percebo que a minha ânsia pela prática era a ânsia que tinha pelo reencontro com minha identidade. O processo de dar à luz foi um processo de morte e renascimento, e esse meu renascimento, reconstrução e reencontro só foi possível através do Yoga. Como quem acaba de nascer, estou aos poucos reconhecendo novamente meu corpo, meus sentimentos, meus pensamentos e encontrando a força e contentamento necessários para enfrentar as dores que me impedem de crescer, identificando ao mesmo tempo que são essas dores a fonte de toda a força e conhecimento que venho adquirindo ao longo da vida.
Mesmo sem compreendermos o que cada postura está trabalhando dentro de nós, ela cumpre seu papel. Os asanas são posturas psicofísicas que, quando realizadas corretamente, com frequência e permanência, através da respiração consciente, promovem o equilíbrio de todo nosso sistema físico, a limpeza e regulação dos órgãos, articulações e sistema nervoso. Ao mesmo tempo, nos conduzem a uma mente mais serena e, como em uma meditação ativa, reduzem nossa ansiedade, medos, irritações e outros distúrbios mentais que não estão em consonância com nosso Ser natural. Por isso, a prática de asanas é um importante componente do Yoga para a transformação da nossa consciência.
A prática do yoga muitas vezes é vista apenas como um exercício físico, com o agravante de que para praticar é necessário ser extremamente flexível e realizar posturas complexas, o que afasta muitas pessoas da prática real. A verdade é que a prática de asanas (posturas) é apenas uma parte do caminho. Depois de alguns anos praticando Hatha Vinyasa, conheci o método que pratico hoje: Ashtanga Yoga. Comecei então a mergulhar nesse universo por indicação do professor da minha primeira professora de yoga, Lucas Carvalho. Me lembro que durante o curso de iniciação, uma das coisas que mais me impactou foi quando ele disse à turma que quem quisesse aprofundar-se mais no yoga deveria ler o livro “Yoga Verde”, um livro pequeno e simples que fala sobre ter um estilo de vida conectado ao Todo, que respeita toda vida que está ligada a nós. Um pequeno livro que aborda muito sobre ahimsa (não violência), um dos maiores e mais importantes desafios que o Yoga colocou à minha frente, para além de qualquer postura “avançada”.
Ashtanga vem da junção de duas palavras com origem no sânscrito: Ashta (oito) e Anga (partes); por isso, a palavra representa o Yoga de oito partes ou oito membros. Esses oito membros estão descritos nas escrituras sagradas de Patanjali: os Yoga Sutras. Uma das escrituras mais importantes do Yoga, que representa um método ou guia para a busca interna do Ser. Chamamos de ‘ética do yoga’, um conjunto de condutas para alcançarmos dentro de nós um estado pleno que chamamos de ‘Samadhi’: a meditação completa, a plena consciência e integração. Samadhi é encontrarmos o Yoga ou a nós mesmos, reconectar com o Ser, em todas as ações da nossa vida.
O primeiro passo dos oito descritos por Patanjali é ‘ahimsa’. Não me lembro exatamente como meu professor disse, mas foi algo como: “Se desejam aprofundar-se no yoga, comecem por ahimsa. Os asanas são o terceiro passo.” A frase me impactou muito, porque eu estava focada apenas na prática de asanas por um longo tempo, sem perceber a violência que cometia ao me alimentar de qualquer maneira, ao entrar em um ritmo que não é o meu natural e ao não tratar devidamente os pensamentos e as cobranças massacrantes que estavam me adoecendo. Desde então, muito disso mudou e continua mudando a todo instante. Tendo a prática de asanas como estudo e observatório, pude perceber o quanto meu corpo estava inflamado e letárgico, e como isso reverberava na minha mente e nas minhas atitudes. Aos poucos, fui experimentando diminuir o meu consumo de carne até chegar ao ponto de não sentir falta nenhuma dela, e muito menos do sofrimento que isso causava a mim e a outros seres. Dei um passo a mais em direção ao que acredito, até chegar recentemente ao ponto de escolher, com segurança em mim mesma, uma alimentação vegana, livre de sofrimento animal em sua totalidade. Reconheço que a indústria da carne e do leite são hoje uma das principais responsáveis pelo desequilíbrio ambiental em nosso planeta. Como Mahatma Gandhi disse: “Seja a mudança que você quer ver no mundo.”
Desde que comecei essa descoberta, tive encontros com outras pessoas que também seguem o mesmo caminho e que são verdadeiros yogis e yoginis em suas ações. Além do exemplo do meu professor, tive a felicidade de encontrar no meu caminho pessoas inspiradoras como Patrícia do Santuário Vale da Rainha, que realiza o trabalho de resgate e reabilitação de animais encontrados em sofrimento, como no caso das ‘Búfalas de Brotas’. Não por coincidência, no mesmo dia em que nos conhecemos, tive o grande prazer de participar de um jantar incrível da Xepa na Nave Coletiva com diversos ativistas veganos. Lá também conheci Oberon, ativista e diretor do documentário Muco, que aborda a contradição dentro da tradição: Índia, a maior exportadora de carne e leite do mundo. Tanto Patrícia quanto Oberon também são exemplos para o meu professor e são frequentemente citados em nossos encontros, com muita admiração por serem inspirações nessa jornada de Yoga.
Ao final de cada prática, entoamos o Mangalam Mantra:
Om Svasthi Praja Bhyaha Pari Pala Yantam Nya Yena Margena Mahim Mahishaha Go Brahmanebhyaha Shubamastu Nityam Lokah Samastah Sukhino Bhavantu Om Shanti Shanti Shantihi
Lokah Samastah Sukhino Bhavantu significa que todos os seres do mundo sejam felizes e prósperos. Finalmente, posso entoar o mantra com verdade (satya) e coerência com minhas ações. No início, eu pensava que o Yoga era uma desconexão de todos os problemas, como se fosse um mundo paralelo. Hoje compreendo e sinto cada dia mais o oposto. Realizar a prática do Yoga com disciplina está se tornando a chave de conexão com a realidade. Nunca antes me senti tão aterrada; nunca antes tive um contato tão profundo com minhas sombras, meus medos e bloqueios. Agora sei que tenho as ferramentas para entendê-los, de modo que deixem de ser um problema. Realizar esse processo interno, por sua vez, me impulsiona a olhar mais sinceramente para o que acontece no mundo. Com a mente, o corpo e o espírito equilibrados, posso encontrar uma força muito maior para lutar pelo que acredito, para ser a minha melhor versão para mim, para meu filho e para o mundo.
Ser yoguini é ter a consciência de que nós e a natureza somos um mesmo organismo, com a oportunidade de trilhar um caminho que vai ao encontro dela, tendo a filosofia e prática do Yoga como guias. Repetir todos os dias as mesmas posturas é um exercício de disciplina a favor do meu autoconhecimento e evolução na vida fora do tapete. A prática de asanas é um espelho diário; cada dificuldade que enfrentamos nela, as dores que sentimos e os padrões que repetimos são reflexos do que fazemos aqui e agora. Também é uma oportunidade de, após reconhecê-los, transformá-los da melhor forma possível para uma nova maneira de ser e existir. Realizar a prática do Yoga é ter a oportunidade de respirar em sincronia com o tempo natural do universo, assim como respeitar os dias de descanso da prática de asanas, como a tradição sugere: durante os picos de lua cheia e lua nova, além dos três primeiros dias do ciclo menstrual. Isso nos lembra que tanto no movimento físico quanto no mental e espiritual, podemos nos reencontrar plenamente quando estamos em sincronia com o ciclo natural da vida.
Yoga é um caminho, um caminho para a vida inteira. Não há pretensão de um prêmio final; dentro dessa prática, não há espaço para competição ou julgamento. Não existe postura perfeita, corpo perfeito ou mente totalmente evoluída. Samadhi não é um troféu a ser conquistado, mas um estado a ser vivido agora em todas as nossas pequenas ações. Cheio de falhas, curvas, desvios e pedras, o caminho e suas transformações são eternos, assim como devem ser. Dentro desse caminho, busco orientar todas as minhas ações diárias, criando uma vida que está alinhada com meu Ser, com todas as suas falhas e acertos.
Cada um de nós possui uma forma de estudo, de autoconhecimento para encontrar esse estado de equilíbrio em nossas vidas. Esse foi e é o meu caminho, e a ele sou infinitamente grata todos os dias.