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‘Sou Minas Gerais’ com Conceição Evaristo: escrevendo vivências e quebrando barreiras na literatura brasileira

por | nov 13, 2023

Foto: Nadia Nocolau / Minas NINJA

Em conversa conduzida pelo Minas NINJA durante o Festival Internacional Literário de Itabira (Flitabira), a renomada escritora brasileira Conceição Evaristo compartilhou suas reflexões sobre o percurso que a transformou em uma referência para muitos autores contemporâneos desde os anos 90. Evaristo, nascida em 1946 na extinta favela do Pindura Saia, em Belo Horizonte, estreou na literatura em 1980 e desde então tem se destacado não apenas por sua maestria literária, mas também por seu ativismo incansável em defesa dos direitos de pessoas negras. A seção “Sou de Minas” do Minas NINJA oferece uma visão íntima da vida e da trajetória da autora, revelando os desafios enfrentados e as conquistas alcançadas ao longo de sua carreira.

Neste bate-bola, Conceição Evaristo atribui sua ascensão a um movimento social negro que levou sua literatura às ruas, impulsionando-a não apenas entre os ativistas, mas também nas salas de aula, desde o ensino fundamental até a pós-graduação. Ela destaca a importância do trabalho incansável das professoras que compartilharam seus textos, contribuindo para a disseminação de seu nome. Além disso, a escritora aborda a interseccionalidade de sua identidade, sendo uma mulher negra e mais velha, e como isso impacta a recepção de sua obra, ressaltando a importância do texto e do cuidado com a linguagem em seu processo criativo.

A entrevista revela não apenas o caminho singular de Conceição Evaristo na literatura, mas também destaca seu compromisso com as questões sociais, de gênero e raciais, oferecendo uma perspectiva única sobre o cenário literário brasileiro. A autora, agraciada recentemente com o Troféu do Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano de 2023, tem seu trabalho reconhecido não apenas por sua contribuição à literatura, mas também por sua obra mais recente, ‘Canção para Ninar Menino Grande’, que explora intricadas nuances da masculinidade entre homens negros e suas complexas relações com mulheres negras. Conceição Evaristo não apenas escreve, mas também inspira e desafia, moldando o panorama literário e social do Brasil contemporâneo. Confira a entrevista completa:

Desde os anos 90, como é para você ter se tornado uma referência para muitos autores atualmente 

Foi um longo processo. Foi o movimento social negro que coloca a minha litertura na rua. Não só pessoas que eram do movimento, mas professoras que levavam meu texto para as salas de aula. Professoras que trabalhavam no primeiro seguimento, de primeira a oitava série e essas professoras e professores foram trabalhando com meu texto, depois eles iam para a pós graduação continuando trabalhando com meu texto. Então a expansão do meu nome nasce realmente de um movimento de base, movimento negro, movimento de mulheres.

É tudo muito devagar, mas muito impactante. O fato de eu ser uma mulher negra, uma mulher que tem uma certa idade, isso também chama a atenção para a minha imagem e ao chamar atenção para a minha imagem é como se fosse um círculo vicioso; chama atenção para o meu texto.

Eu sei que as pessoas vão ler meu texto colado à minha biografia,que é também semelhante a biografia de Carolina Maria de Jesus. Então são vários fatores que influenciam. 

Agora há um fator que sem modéstia alguma eu vou dizer, porque as pessoas apontam. Que é o fator que o texto que convoca, é o texto interessante, é um texto que tem um trabalho com a linguagem. Em momento algum eu esqueço que eu estou trabalhando com a arte da palavra. Então como um músico fica estudando horas e horas uma partitura, uma pessoa do teatro fica horas e horas também tentando compor o corpo como um texto, é um trabalho também que eu me dedico. É um texto que eu quero ter como substrato mesmo uma língua oral, uma linguagem oral. Então há um exercício literário na composição desse texto.

A literatura brasileira é feita majoritariamente por homens brancos e homens de classe média, homens de profissões liberais. Então o texto das mulheres tem uma tendência a chamar atenção e o texto de mulheres negras também. E porque a gente trabalha muito, né? Trabalha muito.”

Ouro Preto é o território mineiro indicado por Conceição Evaristo. Foto: Vinicius Barnabe

Recomendações de leitura:Ponciá Vicêncio e Canção para Ninar Menino Grande

Um conselho para todas as mulheres negras que vivem o racismo estrutural:

Não perder a perspectiva do coletivo, como também ficar atenta para as lições que nossas mães nos deixaram, que nossas avós nos deixaram. Os nossos modos, as nossas táticas de defesa dentro da sociedade brasileira. E ver o momento exato também, e que nós podemos reagir, porque o racismo adoece brancos e negros. Então, há momentos que precisamos medir nossa saúde mental, nosso estado emocional, para ver ‘ah, deixa!’ e tem hora que você vai dizer ‘agora é hora de enfrentamento, sim.’ E ter certeza daquilo que nós somos, naquilo que nós temos direito, e sempre pensar nessa luta coletiva.

Na luta contra o racismo, eu não estou só lutando para as pessoas me acolherem individualmente. A luta é coletiva e não se pode perder essa perspectiva.

Uma pessoa de Minas Gerais que te inspira:

Macaé Evaristo. Eu gosto muito da potência da Macaé, em todos os lugares que ela chega, ela não chega de brincadeira. Ela chega para marcar, ela chega para trabalhar.

Um território de Minas Gerais:

Eu gosto muito de Ouro Preto. Ouro Preto para mim vaza sentidos de uma história negra que está ali, em tudo. Cada pedra de Ouro Preto celebra a presença de nossos ancestrais. Lidamos ali com tanta riqueza, mas saímos de mãos vazias. Então, Ouro Preto simboliza um Brasil que celebramos, mas do qual cobramos as dívidas.

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