Seu Zezinho Vidal ficou cego depois de sofrer um acidente de trator. Recuperou a visão para poder pintar as histórias que ele quer contar. Histórias são poderes mágicos, por isso mesmo, o trabalho do artista é um monumento estético da vida dos trabalhadores da floresta e da arte naïf no beiradão da Amazônia Brasileira.
Por Ricardo Targino
História pra quê?
“Nem as faculdades contam direito a história daqui, nem preservam nossa cultura. Então eu precisei pintar”, diz ele. É o Guerreiro da Amazônia, assim é conhecido nas ruas de Porto Velho, onde caminha vestido de soldado indígena quando sobe para a capital vindo do Distrito de Nazaré, no Baixo Madeira, onde vive.
Em menos de 9 meses, ele pintou dezenas de quadros para contar primeiro três histórias: a dos soldados da borracha, nos seringais; as lendas da Amazônia; a luta ambientalista para preservação da floresta.
É no Museu dos Guerreiros da Amazônia que ele vive e trabalha. Nenhuma de suas obras está à venda. “Pode me oferecer quanto for que eu não vendo. Eu não pintei pra vender. Eu pintei pra contar a História”.
Enquanto conversávamos, fiz diversos lances, a fim de testar sua disposição para transformar em commodity sua arte. Não houve sucesso, nem com os mais altos lances. Ele quer que o museu seja seu legado e já tem planejadas novas “histórias em quadros”.
Direito à memória
Assim como a cultura, a memória também é um direito dos povos da floresta. A oralidade ainda hoje é a maior guardiã de saberes e conhecimentos ancestrais que mais do que nunca interessam ao futuro. Por isso mesmo, além de um canal no YouTube, ele criou também um perfil no Kwai.
Os povos da floresta querem preservar também sua memória. Um povo que não conhece a própria História está despossuído de identidade. Por isso, História também é um direito.
Assim como é necessário reterritorializar o Brasil, é fundamental também retemporalizar o país para reconstruí-lo. A História do povo brasileiro e do Brasil não podem ser demarcadas pela invasão branca. É preciso assegurar ao futuro uma História do Brasil antes do Brasil: a história de nossa ancestralidade originária.
Direito ao futuro
Seu Zezinho não saberia o que fazer para defender a Amazônia se ela fosse atacada amanhã. Para ele, quem melhor defende a Amazônia são os povos indígenas e não as Forças Armadas. A única fotografia nas paredes do museu é a do Cacique Geral do Povo Paiter Suruí, Almir Suruí. Zezinho trabalhou para eleger o cacique deputado nas últimas eleições, mas Almir não foi eleito. Todos os 8 deputados federais eleitos por Rondônia são de extrema-direita, estão alinhados ao agronegócio, à indústria da destruição ambiental e às pautas anti-indígenas. Mas, O Guerreiro não perde a esperança e se precisar, tem sua espingarda artesanal para, se for preciso, ir à guerra pela Amazônia.
Viva Zezinho Vidal, os povos indígenas, a criatividade popular, a História e a Memória da heróica resistência dos Povos da Floresta.
VIVA O BEIRADÃO!
VIVA TODAS AS BEIRAS!
VIVAS AS BEIRADAS BRASILEIRAS!
VIVA TODAS AS PERIFERIAS URBANAS, SUBURBANAS, RURAIS E FLORESTAIS DESSA IMENSA NAÇÃO!
NAÇÃO QUE EU FALO É NÓS!
PERIFERIA É NOIZ!
*Conteúdo publicada durante a Casa NINJA Amazônia Tour em Rondônia, caravana que atravessa todos os estados da Amazônia Brasileira