Por Juan Espinoza
Reflexões decorrentes de uma bela missão que tivemos a oportunidade de vivenciar a partir da Casa NINJA Amazônia, que chamamos de Pantanal Brasil – Bolívia. Durante essa missão, visitamos várias comunidades nas margens de várzeas, rios e pântanos dos nossos países, junto com colegas de várias organizações do Brasil envolvidas com o cuidado da floresta e dos rios, pesquisa e ativismo em prol das comunidades agroflorestais, povos indígenas e do meio ambiente. Percorremos quase 3.000 km de estradas, passando por aldeias habitadas principalmente por comunidades do povo indígena de Chiquitos, como San Matías, San José, Santiago, San Ignacio, Roboré e uma cidade fronteiriça como Puerto Suarez, na Bolívia, que foi afetada pela seca de uma lagoa que antes era navegável.
Durante toda a jornada, participamos de reuniões, encontros com a comunidade e reflexões com entidades e organizações da Bolívia, Argentina, Paraguai e Brasil. Nesses encontros, nos deparamos com o fenômeno do agronegócio, tanto como prática devastadora quanto como ideologia ameaçadora.
Bens comuns em disputa
Para compreender as dinâmicas que estamos vivenciando no primeiro terço do novo século, é fundamental enfatizar as implicações do neoextrativismo nos contextos político, econômico, social e ambiental. Ao nos depararmos com a América Latina profunda, o que certamente também se aplica a outros territórios continentais, não podemos deixar de refletir sobre sua verdadeira ameaça, que se alastra como uma mancha de tinta numa tela molhada, devido à sua superfície, à sua base territorial, que está seriamente afetada.
O neoextrativismo de maior alcance possui uma lógica que prioriza a acumulação de capital em detrimento de qualquer outra função. Essa expressão da acumulação de capital é o agronegócio, um fenômeno socioambiental de alcance devastador que se define como a exploração de grandes volumes de recursos naturais, exportados como commodities, que geram economias de enclave (locais, como poços de petróleo ou minas, ou espacialmente estendidas, como a monocultura da soja ou do dendê).
Ele apresenta uma dinâmica de ocupação intensiva do território, resultando no deslocamento de outras formas de produção (economias locais/regionais) com impactos negativos no ambiente e nos meios de subsistência das populações locais. Podemos observar isso em todos os nossos países da América Latina, com uma lógica de desapropriação das riquezas dos ecossistemas da região.
“A imagem do agronegócio foi construída para renovar a imagem da agricultura capitalista, para ‘modernizá-la’. É uma tentativa de ocultar seu caráter concentrador, predador, expropriatório e excludente, dando relevância apenas ao caráter produtivista, destacando o aumento da produção, da riqueza e das novas tecnologias. Desde a escravidão até a colheitadeira controlada por satélite, o processo de exploração e dominação está presente, a concentração da propriedade da terra se intensifica e a destruição do campesinato aumenta. (…) o latifúndio efetua a exclusão pela improdutividade, o agronegócio promove a exclusão pela intensa produtividade.
A agricultura capitalista, seja ela denominada agricultura patronal, agricultura empresarial ou agronegócio, não pode esconder o que está enraizado em sua lógica: a concentração e a exploração. Nessa nova fase de desenvolvimento, o agronegócio procura representar a imagem da produtividade, da geração de riqueza para o país. Desse modo, torna-se o espaço produtivo por excelência, cuja supremacia não pode ser ameaçada pela ocupação da terra. Enquanto o território do latifúndio pode ser desapropriado para a implantação de projetos de reforma agrária, o território do agronegócio se apresenta como sagrado, não podendo ser violado. O agronegócio é um novo tipo de latifúndio, ainda mais amplo, que não só concentra e domina a terra, mas também a tecnologia de produção e as políticas de desenvolvimento”. (Bernardo Mançano).
Ele vem acompanhado de pacotes de tecnologia agrícola, transgênicos, agrotóxicos, semeadura direta e está invariavelmente ligado, como nos diz Mançano, a processos de expulsão dos habitantes originais dos territórios, como indígenas, quilombolas e camponeses. Seus representantes buscarão justificar e consolidar a desapropriação da terra por qualquer meio, como é o caso da tese “ruralista” do Marco Temporário atualmente em vigor no Brasil.
A resistência e a mobilização dos habitantes mais antigos de nossos territórios, os povos indígenas, em prol dos bens comuns e em defesa de suas práticas ancestrais de colheita, semeadura e rotação, do cuidado com os rios e suas nascentes, da conservação da floresta diversa e da prática atual da foresteria análoga como restauradora da biodiversidade, constituem uma força contrária à expansão expropriadora e manipuladora da natureza, do agronegócio, que combina operações de mineração a céu aberto ou grandes desertos verdes/monoculturas. É a acumulação por desapropriação, como David Harvey define os mecanismos de violência e desapropriação inerentes à acumulação capitalista. Os bens comuns estão sendo simbólica e materialmente disputados em diversos territórios do planeta.
A América Latina historicamente se tornou um fornecedor de commodities, estabelecendo uma relação dependente e diferenciada no mercado mundial. Suas elites burguesas promoveram uma relação subordinada aos interesses produtivos externos, levando-nos a estruturar uma economia voltada para a produção de matérias-primas para o mundo.
É nessa dimensão que o agronegócio encontra condições para sua expansão com o aval dos setores locais do poder econômico. Principalmente Paraguai, Uruguai, Argentina, Bolívia e Brasil estão se tornando fornecedores de cereais como trigo, soja, milho, sorgo, cevada, gado, leite e monoculturas para biocombustíveis, como cana-de-açúcar e óleo de palma.
As características da agroindústria incluem aglomerados de empresas (“clusters”), cadeias que conectam o capital e qualificam seu mercado, e a monocultura para controlar sua expansão e a economia de sua tecnologia. Ela manipula extensas áreas de cultivo, expulsa pequenos produtores, reconverte aqueles que resistem, viola propriedades ancestrais e pressiona a expansão da fronteira agrícola.
Estamos, portanto, diante de um fenômeno de múltiplas dimensões para nossos países, cujas consequências negativas se expressam em desmatamento, poluição, exploração de recursos naturais e impactos sociais.
A desflorestação, muitas vezes descontrolada, para dar lugar a zonas agrícolas e pecuárias extensivas, tem graves consequências ambientais. A remoção das florestas reduz a biodiversidade, contribui para as alterações climáticas e gera um aumento das temperaturas locais devido à formação de ilhas de calor. Além disso, a redução do coberto florestal pode levar a uma diminuição dos recursos hídricos disponíveis, uma vez que a evaporação e a transpiração das plantas são aceleradas, resultando em um déficit de água.
A utilização de pesticidas na agricultura tem impactos negativos na saúde humana e nos ecossistemas. A poluição dos rios, lagoas e zonas úmidas compromete a qualidade da água e afeta a vida aquática.
A discriminação, o racismo e a falta de respeito pelas práticas ancestrais e culturais dos povos indígenas constituem violações de seus direitos fundamentais. Sua relação com o território e sua cosmovisão estão intrinsecamente ligadas, representando vitalidade e subsistência.
É importante promover práticas agrícolas sustentáveis que preservem o ambiente e respeitem os direitos das comunidades locais. Isso significa adotar abordagens agroecológicas que minimizem a utilização de agroquímicos, promovam a biodiversidade e se baseiem nos conhecimentos tradicionais das comunidades. Uma transição para uma agricultura mais sustentável e responsável pode ajudar a mitigar os impactos negativos do agronegócio e promover um equilíbrio mais saudável entre a produção agrícola, a conservação ambiental e o bem-estar da comunidade.