Juan Espinoza, integrante boliviano da Floresta Ativista, ministrou aulas virtuais a convite do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso)
Por Juan Espinoza Del Villar
A convite do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais – CLACSO e da Direção Nacional de Formação Cultural da Secretaria de Gestão Cultural do Ministério da Cultura da Nação da república irmã argentina, fiz parte da equipe docente responsável pelo Diploma Superior em Soberania e Políticas Culturais na América Latina.
Este é o segundo ano desta linda versão formativa que assumo do Brasil como membro de nossa organização. Um duplo compromisso de empregar a melhor energia e organizar o conteúdo a ser desenvolvido para aproximadamente 120 pessoas em cada curso, principalmente de toda a Argentina e alguns participantes inscritos da Colômbia, Chile, Equador, Peru e Bolívia.
Pediram-me para conduzir duas sessões presenciais do terceiro módulo de um programa de extensão regional que propunha um espaço de reflexão, debate e especialização centrado no binômio político-cultural, sob a premissa de refletir coletivamente sobre o papel e os desafios das políticas culturais no novo cenário da América Latina.
A proposta de formação direcionou-se especificamente a profissionais, gestores, pesquisadores, artistas, estudantes, funcionários públicos e outros agentes do campo cultural interessados no tema das políticas culturais em âmbito regional, político e soberano, conforme especificado pela CLACSO. Ministrada na modalidade virtual e estruturada em aulas semanais, a segunda edição do Diploma teve um formato intensivo que durou de 23 de maio e vai até 5 de setembro de 2023.
Os encontros do programa foram dedicados a apresentar os principais conceitos e abordar as diversas perspectivas das políticas culturais, além de promover as trocas e debates necessários para refletir coletivamente sobre os desafios regionais em termos de institucionalidade, política, gestão e soberania cultural.
Senti-me muito bem compartilhando várias décadas de promoção de compromissos culturais. Revisei os diferentes modelos de gestão cultural institucional que nossos países vivenciaram, aqueles que tive que colocar em prática e assumir no percurso percorrido desde a segunda metade da década de 70, o teatro e as marionetes em plena ditadura militar e o Plano Condor na Bolívia, então nos anos 80 em toda a América Latina, especialmente na querida Colômbia com a Corporação Colombiana de Teatro (com o foco central na criação coletiva), o TEC em Cali, La Candelaria em Bogotá, tempos do grupo armado M19 de Jaime Bateman e Gustavo Petro.
Em seguida, 10 anos na Nicarágua Sandinista até 1990, período de construção da revolução mais jovem e alegre de nosso continente. Uma época dos animadores socioculturais (modelo de gestão espanhol e francês), dos instrutores de arte (modelo cultural cubano), dos entusiastas e especialistas da cultura popular, de Ernesto Cardenal e das inúmeras Casas de Cultura em todo o território nicaraguense.
Minha narrativa enfatizou o posicionamento da cultura como agente-chave na mudança social. Cultura produzindo sujeitos e reproduzindo relações sociais. E a importância das políticas culturais para desconstruir significados patriarcais, discriminatórios e individualistas, propondo novas identificações políticas. Neste contexto, incorporei à análise que, com a virada do novo século, a Bolívia inaugura um evento cultural contundente e formidável, a geração do Estado Plurinacional, liderada por Evo Morales e organizações sociais de povos indígenas, camponeses, mineiros e setores populares. Conformando um processo que eclode após centenas de anos de lutas emancipatórias e de resistência do povo boliviano. Afirmei que, paradoxalmente, a magnitude da mudança na Bolívia não é compreendida com a mesma amplitude que a transformação profunda do sujeito histórico e seu reflexo na gestão estatal das culturas.
Outro fato de grande significado social, econômico e cultural é incorporado na análise da década latino-americana em que convergem processos e líderes latino-americanos. Chávez, Lula, Mujica, Kirchner, Evo e Correa. Esses processos também geram e fortalecem ações de maior envergadura na gestão cultural, especialmente as articulações da sociedade civil que, em diversos aspectos, criam um novo mapa de trocas e influência de alto valor, especialmente na emergência de atores sociais, políticos e culturais. Criamos um tecido sólido: mulheres, feminismo, negritude, povos indígenas, diversidade, juventude.
A narração de nossas articulações e suas particularidades. Pontos de Cultura, Cultura Comunitária Viva, Cultura em Rede, os processos e construções coletivas entre eles, a Telartes e seu esforço para influenciar as políticas culturais. Para isso, comecei a rever meus anos de cooperação internacional, o encontro e meu envolvimento com o Fora do Eixo, os tecidos de articulação latino-americanos que estão emergindo desse processo, minha experiência de 4 anos no serviço público buscando, a partir do ímpeto e das lições aprendidas, influenciar diretamente a maneira de compreender a gestão cultural.
O foco do segundo dia foi narrar brevemente as três temporadas: Fora do Eixo, Midia NINJA e Floresta Ativista. Realizei uma análise dos processos que tive que vivenciar, aprender e amar profundamente, até a decisão de migrar e “voltar para casa”, até a gestão coletiva vivenciada na articulação mais sólida que conheço, aquela que emerge da cultura e da comunicação que faz política, promovendo novos paradigmas de vida e gerando articulações com profundo amor com os parceiros das construções sociais, os movimentos emergentes de um país de dimensão continental como o Brasil, mantendo a conexão com todo o continente e o mundo.
Os dois dias deste curso que ministrei tiveram vários momentos de troca e debate conjuntos com as dezenas de participantes, que expressaram suas realidades, necessidades e preocupações com os processos vivenciados em seus contextos locais e em seus países. Foram conversas em que, com exemplos concretos, pudemos analisar possibilidades e criar novas oportunidades. Tanto os participantes quanto a coordenação do Diploma pela CLACSO valorizaram e expressaram gratidão pelo que foi desenvolvido, resumindo em poucas palavras de mensagem textual como “motivador, reflexivo, esperançoso, político, muito prático, generoso, completo…”. Isso, certamente, é motivo de satisfação pelo trabalho realizado.
Esta bela experiência de ter assumido alguns conteúdos do Diploma de Soberania e Políticas Culturais confirma, pelos conteúdos expostos e pelas experiências coletivas narradas, que estamos no caminho certo, que tudo o que é dito é fruto de uma ação conjunta e que eles vêm, fundamentalmente pela força do nosso ativismo, do aprendizado e da análise diária que venho vivenciando há mais de um ano em “tempo real” com as pessoas maravilhosas do nosso coletivo.