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Diário de Bordo #7: vida e morte em Sinop e rio Teles Pires

by | maio 14, 2023

Confira como foi o último dia de percurso da Casa NINJA Amazônia em Mato Grosso

Foto: Midia NINJA

Por Lidiane Barros

No início de 2022, Sinop (a 497 km de Cuiabá) apareceu em nota técnica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento na primeira posição do maior PIB do agronegócio de Mato Grosso. As principais atividades econômicas da cidade giram em torno da agropecuária, indústria madeireira e cultivo de soja e milho, dentre outras culturas.

Mesmo sabendo de tudo isso, nos chocou ver plantações de lavoura em meio às casas de um condomínio de alto padrão por onde passamos. Tudo é tão naturalizado que, nos contaram, há inclusive aviões pulverizando dentro da cidade.

Hidrelétricas

Além disso, hidrelétricas no Teles Pires trouxeram um cenário de degradação. Problemas que o Movimento dos Atingidos por Barragem (Mab) em Sinop, conhece muito bem. Das principais lideranças do Mab em MT, Jeferson Nascimento nos recebeu para um café. Ocasião em que nos apresentou um histórico das hidrelétricas instaladas no rio Teles Pires e também alertou sobre ameaças futuras.

A UHE Sinop foi a última hidrelétrica construída na Amazônia, mas os 174 projetos para a Bacia do Juruena – que formam o complexo da UHE Castanheira – fazem soar novo alarme. As comunidades da região da Pedreira de Palmital podem ter suas vidas transformadas, tal qual ocorreu com a Gleba Mercedes, de Sinop. O Mab é esteio na luta por indenizações e políticas públicas, na região onde a hidrelétrica abocanhou 6 mil hectares. De outro lado, sem condições de viver no território, muitas pessoas acabaram por arrendar áreas e a soja, também tomou conta do cenário.

“É um alto custo do ponto de vista social e ambiental”, lamenta Jeferson. Segundo ele, trata-se de um negócio de interesses estrangeiros, não de geração de energia que atende ao sistema interligado nacional. “E sobre aquela história de compensação financeira, acaba que ela vai para os cofres públicos”. Ele explica que cinco hidrelétricas formam um complexo. “Foram quatro em menos de dez anos, mas poucos visibilizadas. Enquanto Belo Monte e Jirau conquistavam repercussão internacional, o complexo no rio Teles Pires foi sendo construído lentamente”.

Impactos sinérgicos não foram levados em consideração, como impacto sobre a ictiofauna de cidades banhadas pelo Teles Pires, como Alta Floresta. “Mesmo com vários estudos técnicos, a Sema emitiu a licença e logo depois do início da operação, vários ciclos de mortandade de peixes. Eles estimam que tenha sido algo em torno de 40 toneladas. Imagina o que de fato não aconteceu. E então, a gente vê que não tem nada a ver com ciência. É política pura”.

Turismo de base comunitária

Dentre muitas ações do MAB, uma nova agenda busca trazer alternativas para a gleba Mercedes. O professor da UFMT, o primatologista Gustavo Canale, começa a desenvolver um projeto de turismo de base comunitária, aliado ao movimento. Ele acredita que é possível apresentar uma nova narrativa em meio ao árido contexto para a floresta, mostrando que Sinop compõe o arco do desmatamento, mas também, está localizada no maior ecótono tropical do planeta. Alertar que está se plantando soja no encontro da Amazônia com o Cerrado, “não é em qualquer lugar”. “Precisamos apontar que esse local de expansão agrícola, maior ecótono tropical do mundo, possui biodiversidade e riqueza cultural”.

Então, nas Gleba Mercedes, ele deu início a um trabalho nas escolas para estimular um debate mais ambiental, de conservação de primatas e das potencialidades do turismo para garantia de renda aos moradores.

“Sinop é cortado pelo rio Teles Pires, que divide algumas espécies que têm potencial turístico interessante. Mico-leão-dourado a gente conhece bem, mas você tem o macaco-aranha-de-cara-branca, zogue-zogue de Mato Gross. Este último, uma das 25 espécies mais ameaçadas do mundo. E ele não está do lado do Teles Pires que fica a cidade, mas exatamente onde fica a gleba Mercedes”. Segundo ele, se o território também tem florestas que abrigam um conjunto de espécies emblemáticas para a conservação, então, há um potencial turístico muito grande.

“A gente precisa mostrar isso para o território, para que as crianças valorizem o lugar em que vivem. Dessa forma, podemos evitar a saída do jovem da zona rural, para a urbana. Certamente que o turismo vai atender uma agenda cultural interessante, que inclui por exemplo, consumo de produtos da agroecologia”.

Dalí partimos rumo à Câmara Municipal de Sinop, ao encontro da vereadora professora Graci (PT). Não tem como não nota-la já na galeria de fotos dos vereadores: ela é a única mulher eleita. A única vereadora progressista.

Graci, que veio da classe popular, conta que sua candidatura nasce da necessidade de garantir representatividade aos movimentos sociais. O saldo de votos que conquistou, diz ela, foi uma surpresa, pois seu nome não aparecia nas pesquisas de intenção de voto. “A gente não tinha grana. Nosso nome não aparecia. Mas hoje vemos que porque muitas pessoas tinham medo de se manifestar, até mesmo para responder pesquisa”. Ela obteve 1122 votos e entre 15 cadeiras, ficou na oitava colocação.

Foto: Mídia NINJA
Foto: Mídia NINJA

Resistência política

Desde então, Graci vem resistindo à violência política de gênero em um município politicamente conservador. Sua luta hoje é pela periferia – sim, Sinop tem periferia -. “Nós temos favela. Temos ocupação aqui. E nossa juventude está nesse lugar”. Por isso, muitos de seus projetos têm essa parcela da população como foco.

A resistência ao mandato, pelos outros vereadores, chega a ser tão irracional que muitos dos projetos que são importantes para a população são recusados. “Caso do Mapa da Violência contra a Mulher. A gente queria levantar dados sistematizados. Algo que nem onerava os cofres públicos, mas ele foi reprovado”. Em outro caso, uma audiência pública para pensar políticas públicas para a população LGBT teve que ser realizada na parte externa da Câmara. “Mas agora, consegui ocupar a presidência da Comissão de Direitos Humanos. Teremos avanços”, diz otimista.

Então, encerrando nossa viagem a Sinop, realizamos a oficina de Ninjismo – Monte Sua Mídia, na qual compartilhamos tecnologias de ativismo. Nosso anfitrião foi Anderson Maciel, parceiro antigo do Fora do Eixo, que hoje mantem o mais importante espaço artístico da cidade, o Xingu.

Nos encontramos com um grupo muito especial, que além de movimentos sociais, representavam núcleos de pesquisadores das universidades Estadual e Federal de Mato Grosso. Aprendemos muito e somos muito gratos a todas as pessoas que encontramos em nossa rota Mato Grosso. É um até breve!

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