Por Lidiane Barros
Chegamos a mais uma etapa da caravana da Casa NINJA Amazônia em Mato Grosso. E na Amazônia mato-grossense, não teve como conter a empolgação com Alta Floresta (a 800 km de Cuiabá) onde são mantidas iniciativas da vanguarda cultural mato-grossense e projetos de conservação do bioma.
Monitoramento da floresta
Nosso dia começou com uma visita à sede do Instituto Centro de Vida (ICV). O coordenador de Inteligência Territorial do ICV, Vinicius Silgueiro, nos mostrou o trabalho de monitoramento que o instituto vem idealizando. O ICV atua em várias frentes da perspectiva socioambiental, principalmente, com ênfase no estímulo e formação para o desenvolvimento sustentável, mas nosso recorte foi a vigilância do território.
Essa Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) foi fundada há 32 anos em Mato Grosso e hoje mantem parcerias com importantes organizações, como o Observatório do Código Florestal, Observatório do Clima e MapBiomas, entre outros. Lá, ficamos sabendo ainda, mais detalhes sobre a parceria com o Serviço Florestal dos EUA (USFS) que vai startar o uso da tecnologia LIDAR (Light Detection and Ranging) pelo instituto. Esse é um tipo de sensoriamento remoto com laser, que “escaneia” a floresta. Uma das frentes de atuação do ICV é a produção de dados e compartilhamento de informações sobre o desmatamento na Amazônia.
Educação ambiental
Ao mesmo tempo, outra equipe se embrenhava em uma trilha com um grupo de crianças, para conferir o projeto Um Dia na Floresta, da Fundação Ecológica Cristalino. Em meio ao centro da cidade, na reserva particular Surucuá, crianças são conduzidas em um passeio pela floresta. Nos disseram que mesmo vivendo em um município da Amazônia mato-grossense, muitas delas não têm a dimensão do lugar onde vivem. Guiados pela bióloga e coordenadora do projeto, Marianna dos Santos, tudo para gente também foi uma descoberta. Sob a mesma perspectiva do olhar de uma criança.
Oficina de Ninjismo
O Museu de História Natural de Alta Floresta sediou nosso encontro com ativistas locais. Nas oficinas Monte sua Mídia, a gente compartilha a história de constituição e lutas da Mídia NINJA, além de comentar sobre – e compartilhar – algumas de nossas tecnologias. O estímulo surtiu efeito, porque já ao final do nosso encontro, muitos dos presentes já provocavam encontros de articulação social. Mandamos aqui um salve para o professor aposentado Jesus Paixão, que é responsável pelo museu e foi quem nos acolheu para esta atividade.
Rumo ao paraíso
Saindo de lá, nosso próximo destino era um paraíso na floresta.
Era para ser uma viagem tranquila, ainda que em estrada de chão. Saindo de Alta Floresta (MT), pegamos uma via rumo ao Cristalino Lodge, que fica dentro da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Cristalino. Essa é a mesma região onde estão localizados os parques estaduais do Cristalino I e II. No caminho percebemos que grandes lavouras foram sendo instaladas na borda da RPPN.
Fomos surpreendidos com breve chuva durante o trajeto e a terra virou sabão! Tanto a nossa van, quanto a do hotel, atolaram quase que no mesmo ponto da estrada. Precisamos de ajuda de uma caminhonete para tirá-la de lá. Para que isso não acontecesse de novo, nosso companheiro, o condutor da van, Frank Oliveira, retornou para Alta Floresta.
E foi a mesma caminhonete que nos levou até o porto no Teles Pires para que, de barco, chegássemos ao nosso destino. Um pouco de gente dentro e outro pouco, na carroceria, junto às nossas malas.
Lá então chegamos! O lugar é incrível, no meio da floresta! Depois da janta e reconhecimento da área (leia-se, dos lindíssimos bangalôs onde nos hospedamos), assistimos a uma palestra da dona Vitória, que é uma pioneira do ecoturismo na Amazônia. Ela nos contou sobre a história de formação da cidade, explicou a geografia e importância da região onde chegamos e também comentou sobre as instalações sustentáveis do hotel.
No dia seguinte, acordamos cedo: 4h30 estávamos prontos para trilha que leva à Torre 2 de observação da RPPN, de 50 metros de altura. Vimos o dia nascer com a magia da neblina entre as árvores e o sol subindo. Então, voltamos ao hotel e saímos novamente, desta vez, de barco, pelo rio Cristalino até a trilha da Castanheira, onde estivemos de frente a uma das castanheiras mais antigas que se têm notícia: segundo um botânico britânico, ela tem no mínimo, 800 anos. A bióloga e guia Cynthia Lebrão foi super generosa conosco, compartilhando seu conhecimento sobre a região.
Foi neste mesmo local que conhecemos o projeto Looking For Jaguar, que monitora onças na reserva. O pesquisador Lucas Eduardo de Araújo, que também é coordenador da Fundação Ecológica Cristalino [frente de pesquisa da FEC], nos explicou tudo enquanto trocava as pilhas de uma câmera trap; ele também nos mostrou imagens captadas. O intuito do projeto é mensurar se há impacto das visitações sobre a fauna local. Os primeiros sete meses já indicam que não houve.
Voltamos, almoçamos e, então, encontramos também o pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o primatologista Gustavo Canale, que nos contou sobre as investigações cientificas que vem sendo desenvolvidas com foco no comportamento dos macaco-aranha-de-cara-branca. Estes animais só vivem nesta região. As pesquisas alcançam também Sinop (a 313 km de Alta Floresta) e são fruto da parceria entre o Grupo de Ecologia Aplicada do campus de Sinop da UFMT, o Instituto Ecótono (IEco) e a Fundação Ecológica Cristalino.
Ativismo cultural
Depois dessa conversa, embarcamos na van de volta à cidade. No dia seguinte, nosso primeiro compromisso foi uma visita ao Teatro Experimental de Alta Floresta, o TEAF. Visitamos as obras de ampliação e conversamos com os artistas multifuncionais do grupo: Ronaldo Adriano, Angélica Mülle, Gean Nunes e Fernando Zilio.
Além de ser um espaço de ativismo artístico, a sede mantém viva a memória do seu fundador, Agostinho Bizinoto, que fundou o TEAF em 1988. As atividades artísticas do grupo são desenvolvidas lá, assim como são encenados os espetáculos. Mas generosos e entusiastas que são, não só realizam ações pautadas por outras linguagens artísticas, como também, acolhem iniciativas diversas de realizadores da cidade. A gente quer voltar logo para ver como ficou o resultado!
Política
Dali partimos rumo à Praça do Avião, no centro da cidade. Este, que outrora serviu para transportar alimentos, remédios e até garimpeiros no primeiro ciclo de exploração da cidade, tornou-se “cartão-postal”. É lá que funciona também, o Centro Cultural da Prefeitura. Enquanto esperávamos pela vereadora progressista, Ilmarli Teixeira (PT), circulamos pelo local. Após sua chegada, ouvimos atentos os relatos sobre o constante exercício de resistência à violência política de gênero.
Plantando água
Um pouquinho antes das 12h, nos esperava em sua casa o coordenador de Inteligência Territorial do ICV, Vinicius Silgueiro. Totalmente comprometido com a defesa do meio ambiente, o engenheiro florestal por formação, em 2017, iniciou por conta própria o reflorestamento de um terreno em frente de casa. Anos depois, foi surpreendido por um incêndio que avançou sobre a área. Sua primeira iniciativa foi conter o fogo. E logo depois, retomar o plantio da área queimada. Anos mais tarde veio o projeto de iniciativa do poder público local, Adote uma Nascente, voltado à restauração de áreas próximas a cursos de água. O ICV somou forças como um dos apoiadores e então, a iniciativa solitária ganhou vulto. A gente conferiu na prática como as árvores fazem a diferença. Um pequeno lago se formou debaixo delas. Vinicius está “plantando árvore e plantando água”.
Viver bem
Próxima parada foi a Comunidade Guadalupe, região encantadora que reúne várias experiências de agricultura familiar, ecoturismo e projetos comunitários voltados à sustentabilidade. Em sua casa, esperava por nós o bioconstrutor Bruno Pitarello.
Andamos uns 100 metros por uma trilha fechada até chegar ao Ponto Agroecológico Dente de Leão. Ele, que participou de um processo de aceleração de negócios do MT Criativo (Secel-MT), vem desenvolvendo ações a baixo custo para o turismo de experiência a fim de consolidar um hostel ecológico.
Trata-se de um espaço de vivências, que inclui até mesmo formação para a permacultura e agroecologia com foco em bioconstrução. Também promove no local, a agricultura regenerativa e a agrofloresta como base de produção de alimentos.
Ah! A gente conheceu duas fofuras: Luana e Naline, filhas de Bruno. Elas nos presentearam flores comestíveis que cultivam no quintal.
Majestosa
O tempo passou rápido! Também, pudera né? A gente queria que o dia fosse mais comprido para que pudéssemos descobrir mais coisas, mas para gente, isso é só combustível para retornar a Alta Floresta.
Tentamos chegar até uma sumaúma, que até o ano passado era a árvore mais alta da América Latina: tem 61 metros de altura e 4 metros de circunferência. Estima-se que a árvore localizada no Sítio Painera, em área gerida pela Fundação Servir, tenha mais de 120 anos.
Chegamos lá por volta de umas 17h, mas fomos aconselhados por moradores que vivem há muito tempo no entorno a não adentrar a mata pelo alto risco de encontrarmos cobras na trilha. A gente não ousaria questionar a sabedoria dos mais velhos. Então, como último recurso, nosso drone sobrevoou a área e rapidinho conseguimos detectar a majestosa árvore. Pra gente, já valeu o rolê!