Por Lenissa Lenza
A economia social que chamamos de economia do afeto, da confiança, da troca, do intangível, economia narrativa, colaborativa, entre tantos outros nomes que já surgiram pra exemplificar esse tipo de sustentabilidade pautada em nossa experiência enquanto coletivo Fora do Eixo, é a mais valorosa e mais difícil de se alcançar, na nossa perspectiva.
Quando falamos em capitalismo, pra além da obviedade da existência de classes, do rico e do pobre principalmente, falamos invariavelmente da competição, do individualismo, do egoísmo necessário pra ser “o primeiro lugar de tudo” e “merecer” aquela pequena casta de poderosos que concentram a maior riqueza e poder no mundo.
Essa cultura da concentração, da conservação, da meritocracia, leva invariavelmente as pessoas a fazerem qualquer coisa pra ter e se manter no topo. E afinal, sem juízo de valor, qual seriam os meios certos pra se chegar lá? Qualquer um, por mais inescrupuloso que seja, se te fez conseguir chegar já é suficiente pro imaginário acreditar que você “mereceu”. É justo, afinal, não é todo mundo que chega e o mais importante é chegar, independente de como. Aqui começa toda a lógica de justificação de (quase) todo tipo de violência que inclusive na maioria das vezes é endossada consciente ou inconscientemente por nós, criados nessa matriz.
Nós nascemos numa cultura que nos (des) educa e estimula a ser maus, preconceituosos, egoístas, egocêntricos, vaidosos, competitivos, a ser e ter poucos amigos, a ter medo de “estranhos” e nos manter numa bolha eterna individualista a vendendo como proteção de todo o mau que obviamente só está do lado de fora.
No caso, o que está fora é o coletivo, o geral, o diverso, o desconhecido, simplesmente porque essa cultura nos privou e bitolou de viver com o máximo de amplitude o que a vida tem a oferecer, afinal só assim é possível manter o controle social, só assim é possível manter o nosso controle. O sistema nos amedronta pra que a gente lhe seja obediente. E até mesmo quando achamos que estamos sendo “revolucionários”, ainda seguimos mantendo sua estrutura convencional de milênios: se manter o mais conservado possível dentro de um grupo restrito (família nuclear) ou até mesmo sozinho.
Uma amiga muito querida que está caminhando radicalmente na direção da sustentabilidade ambiental nos ensinou que as ecovilas são o que de mais importante existe pra mudar o mundo. O conceito da ecologia é o único capaz de garantir a preservação da nossa espécie. Realmente é verdade. (Nós do fora do eixo começamos a pensar o meio ambiente há uns anos e temos muito o que trocar! ) E então surge o questionamento: Vale somente garantir a nossa espécie se a violência, o individualismo e o egoísmo seguir reinando entre nós?
Por isso pra gente é tão valioso a tecnologia da vivência coletiva. Superar os desafios que ela trouxe e traz é tarefa constante e necessária pra preservar a radicalidade da nossa experiência. Das tantas maneiras que se é possível construir alguma coletividade, a nossa foi a fundo na complexidade de ser coletivo e há 20 anos sustentamos este processo através das casas coletivas, com dedicação de tempo integral e exclusivo, caixa coletivo (de capital tangível e intangível), armário coletivo, cozinha coletiva, espaços coletivos, projetos coletivos, criação coletiva de filhos (e de tudo o mais que aparecer hehe)!
Disponibilizar-se pra se tornar alguém coletivo foi a decisão mais importante que tomei na minha vida mas por incrível q pareça nem foi a mais difícil. Difícil foi se manter nela, na constância diária da inflexão do ego, dos mimos, dos apegos e driblar tantas armadilhas que a nossa cultura doente nos ensina. Mas quando a gente sente também como é libertador, transformador e gratificante, difícil é sair dessa vida.
Lenissa Lenza
Fundadora do Fora do Eixo