loader image

Uruguai musical

por | abr 3, 2023

Um mercado de música que só cresce

Programadores reunidos no Museo do Carnaval. Foto: reprodução do Instagram de @pauloze

Por Paulo Zé Barcellos

Semana passada, uma vez mais, tive o prazer de desembarcar em Montevidéu para acompanhar o Mercado Uruguai Musical  Nossa Mostra ao Mundo, que rolou de 13 a 16 de março. A convite da Cooparte e Fans de La Música, eu e Alessandra Rodrigues  representando o Festival Morrostock e a produtora Marquise 51  chegamos à capital uruguaia de ônibus, vindos de Porto Alegre, para acompanhar a terceira edição do evento.

Estivemos nas duas primeiras edições e de cara podemos afirmar que esse mercado evoluiu muito. Em 2018, antes da concretização do próprio mercado como ele é hoje, houve a realização do Uruguai Música Emergente que já apontava um caminho que, 5 anos depois, se consolida como um espaço em amplo crescimento, onde a música uruguaia é o centro de todo processo.

O Mercado Uruguai Musical mostrou aos mais de 30 programadores de diferentes partes da América Latina uma diversidade muito interessante de shows. Foram 38 showscases de 15 minutos, distribuídos em 3 dias e realizados em 9 locações diferentes na cidade de Montevideo.

Então, tivemos a oportunidade de conhecer a cidade, museus, parques, salas de espetáculo enquanto também conhecíamos a música do país. Um micro ônibus de 30 lugares e uma van transportavam os programadores para as atividades, quando não era possível ir a pé. As caminhadas também faziam parte da programação e uma delas contou com a presença de guias turísticos que contavam a história dos lugares por onde íamos passando.

Paulo Zé e Alessandra Rodrigues. Foto: Paulo Zé Barcellos

Dia 1:

O evento começa na Sala Idea Vilariño, no imponente Teatro Solis, com uma roda de apresentação entre programadores e artistas, seguido de um assado em frente à Disco Moda, do selo Little Buterfly Records, um lugar clássico que preserva a música histórica e abre espaço para o novo. Tive uma verdadeira aula sobre os períodos 60, 70, 80 da música uruguaia que eu não sabia que existia e muito menos de sua riqueza estética enquanto entornávamos algumas cervejas com empanadas em um dos bares mais antigos do bairro, o Tortuguitas. O Little Buterfly tem lançado muita coisa nova da música contemporânea alternativa do Uruguai. Vale conferir.

Dia 2:

Os showscases aconteciam sempre em 3 horários: 10:00, 15:00 e 21:00. Nesse primeiro dia de shows às 10:00, eu perdi a van. Corri de táxi e acabei chegando rápido na cidade velha, mais especificamente no Cabildo Histórico de Montevideo, que é um museu onde começava a jornada com os primeiros 4 showscases.

Batimento Duo abre o Mercado com seu Tango Acústico. Dois violões muito bem tocados que remetem às raízes portenhas. Na sequência, uma atração do Paraguai que rouba um pouco a cena: Purahei Soul é uma delícia de ver e ouvir. Recomendo muito! A banda tocou no último RecBeat e deve voltar ao Brasil ainda esse ano para mais shows. Samantha Navarro, uma cantora com uma certa estrada entrou na sequência e mandou seu Rock. Eu já a tinha visto cantar em outra ocasião e curti tanto quanto agora. Para o fim, foi reservado o Los Bosques, um DJ que tocou com auxílio de um outro DJ guitarrista, aquela mesa gostosa cheia de traquitanas eletrônicas de onde brotam tudo que é tipo de som.

Purahei Soul, do Paraguai. Foto: Paulo Zé Barcellos

Finalizados os showscases foi servido um “Bridis”, uma espécie de coffee break com vinho, o que deixou as coisas ainda mais descontraídas. Saímos dali para uma caminhada guiada pela cidade velha, passando pela catedral e mercado central até chegar ao Museu do Carnaval para mais uma rodada de showscases

Jhoanna Duarte abriu com sua música delicada e emotiva. Diego Maturro veio na sequência no formato guitarra e tambor. O calor era bizarro e nos acompanhou no mercado inteiro! Na sequência, o quinteto de cordas Milongas Extremas fez um show arrebatador e foi destaque deste bloco. Mas não muito atrás, a cantora Rossana Taddei mandou muito, no formato violão e cajon, um progressivo que eu nem sabia ser possível fazer com tanta propriedade nesse formato. Ela divide o tempo entre Europa e Uruguai fazendo muitos shows, tem um incrível talento, canta e toca muito. Seu companheiro fez do cajon uma mini bateria completa e soube tirar tudo do instrumento. 

Milongas Extremas. Foto: Paulo Zé Barcellos

Às 18h, rolou um “conversatório” sobre o Prêmio Grafitti, um dos maiores prêmios de música do Uruguai, criado há mais de 20 anos despretensiosamente por Miguel Olivencia, que hoje se afirma como uma referência no país no que tange à premiação de música.

O relógio bate 21h e lá vamos nós para o Bar La Cretina ver mais 4 showscases. Desta vez, a pegada trap/hip hop começa com o carismático Kung-fú Ombijam, que tem uma história muito forte e marcante. Ele é um artista que fez da música uma forma de vida e reintegração à sociedade. Curto muito esse cara! Depois, veio a jovem Miranda Diaz com um trap pop bacana. Ela já tem bastante seguidores nas redes sociais e pode ser uma das grande promessas desse mercado se pá. Daí vem Se Armo Kokoa que arrasa demais. Se fosse traçar algum parâmetro pra situar quem nunca ouviu falar em Se Armo Kokoa, eu diria que são a versão feminina e uruguaia de Os Racionais. Hip hop pesadão, direto na cara, sem meias palavras. Curti pra caramba! Uma incrível surpresa desse mercado. Por fim, Eli Almic que já veio ao Brasil algumas vezes, tocou no Morrostock inclusive e fechou com chave de ouro o primeiro dia de showscases, segundo do evento.

Se Armo Kokoa. Foto: Paulo Zé Barcellos

Dia 3:

Aquele Café da manhã no Hotel Klee e bora pra mais um dia. Calor infernal, desta vez beirando os 36ºC, com sensação térmica de 40ºC. Cada possibilidade de estar em algum ar condicionado é comemorada!

Bora rumo norte de Montevideo para o Museu Blannes, onde rolaram os primeiros 4 shows do dia. O lugar era lindíssimo, sem retoques. A única coisa que tava fora de lugar era uma cobertura de lona transparente fixa, que deve ter sido colocada para nunca mais terem que se preocupar com a chuva. Porém, essa cobertura não funciona bem no calor. Ela transformou o lugar numa sauna, mas tudo certo. Bora nois! Tem sempre água à vontade e frutas por perto. Esse foi um cuidado da produção do evento. Não faltou água, frutas ou café em momento algum.

Spuntone e Mendaro abrem o dia, seguidos por Pepa Diaz e Nina da Terra de Bariloche, que estavam com uma delegação bastante legal no evento. Logo depois, Letu Ruibal apresenta seu espetáculo lúdico infantil muito bacana, e para encerrar, teve a forte Inês Errandonea. Dentro do Museu Blanes, que estava fechado para visitação, a temperatura chegava a uns 10°C. O ar estava ligado a milhão. Lá, ficavam os banheiros. Só era possível entrar para usar os WCs. Passei a conter a urina para regular a minha temperatura. Foi o jeito que deu!

Letu Ribal. Foto: Paulo Zé Barcellos

Segue o mercado com um almoço no La Cretina, com bar liberado. Momentos incríveis, quando assumimos o controle da música e começamos a fazer playlists colaborativas depois de comer.

Dali para o imperioso prédio da Intendência de Montevideo, 22° andar, o Mirador IM que, além de contar com uma subida vertiginosa em elevador panorâmico, oferecia lá em cima uma visão de 360° de toda capital do Uruguai, um lugar fabuloso. Ali tocaram El Helber, um cancioneiro popular contador de histórias das antigas, e a outra dupla de Bariloche, Negro Saccomano e Fernando Rossini. Fiquei imaginando a música sendo composta, as imagens das montanhas de gelo, os lagos incriveis da região patagônica e sentindo como tudo se encaixa. Diego González é o proximo e a xamânica Lucía Romero chega chegando, abre seu show usando um leque como instrumento e a voz de forma magistral. Depois, ela assume o teclado levando geral para uma outra dimensão. Curti demais o show dela.

Negro Saccomano. Foto: Paulo Zé Barcellos

Aquele momento que você acha que tem um tempo pra dar uma relaxada e esquece que, às 18h, tem mais um “conversatório”. Dessa vez, sobre formação de comunidades e audiência musical. O jeito é tomar uns quatro cafés e contribuir ao máximo com o debate. E eu tinha muito a dizer.

Audiência no Mirador IM. Foto: Paulo Zé Barcellos

O relógio bate 21h e já estamos na incrível Sala Zitarosa para os shows maiores. Que incrível momento! Coffe break sempre presente, nunca nos deixando passar fome ou sede. Sempre tinha algo para comer ou beber sendo oferecido.

A primeira atração a se apresentar foi Jorge Nasser que fez o show de trio, um folk country Rock portenho. Logo na sequência, vem La Tabaré, banda muito boa com 38 anos de estrada. O vocalista me fez lembrar do Fughetti Luz. Curti pra caramba a pegada Gypsy. Excelente banda! La Imbailable Cumbia Orchestra toca logo em seguida e tudo vira festa. Para encerrar com classe, Kumbiaracha – uma verdadeira orquestra feminista de Cumbia – 12 mulheres no palco, arrebentando com tudo e pondo todo mundo pra dançar!

Sala Zitarosa. Foto: Paulo Zé Barcellos

Deu ainda gás pra uma caminhada até um bar, conversar um pouco e dali, de taxi, pra o hotel que amanhã tinha mais!

Dia 4:

Chegamos ao último dia. Já nem tem mais graça falar do calor que segue infernal. Toma aquele banho bom no hotel, se abastece no café da manhã e partiu Parque Rodó, mais especificamente o Castello do Parque Rodó, locação propícia para o por vir. Os shows começam com Encanto al Alma outro espetáculo músico-teatral infantil muito bacana, instigando a participação do público o tempo todo. Logo depois, veio a cantora Pilar Apesetche com seu regionalismo arraigado inclusive cantando ao fim uma música em português com raízes no tradicionalismo do RS. Taconeando veio na sequência com o Tango Clássico de alta classe uma riqueza sonora, espetáculo para os olhos e ouvidos. E por último Laura Kalop uma cantora colombiana que tem bastante potência.

Dali pra La Cretina almoço Musical colaborativo 2 com bar liberado. Só alegria!

O trajeto mais descentralizado veio na sequência, até o bairro Peñarol na novíssima e muito bonita Sala no Centro Cultural Artesano onde rolaram mais 4 shows.

Fer O-Smith Rock sem onda, direto, vocal feminino massa pra caramba. Lúcia Severino em formato intimista mostrou uma simpatia ímpar. Mestizo é uma big band de ritmos latinos afro caribenhos e executou algumas versões conhecidas de musicas. Mamba Perccution fez uma fusão de ritmos tendo como ponto alto do show a bailarina Caro a @_rrrrrru que faz parte das @freestylesisterz.

Foto: Paulo Zé Barcellos

Deu tempo de voltar, descansar por 90 minutos e partir pra os últimos 4 showscases do Mercado Uruguay Musical. O final foi especial e emocionante. A sala de espetáculos no prédio da Cooparte foi inaugurada. Um espaço super legal que vai começar a receber uma programação de shows e eventos. Aliás, o prédio da Cooparte, onde fica também a Agremyarte, Fans de La Música e o próprio mercado são incríveis. Super estrutura legal pra fazer coisas bacanas e receber pessoas.

Diego Janssen abre a noite fazendo loops com violão, guitarra, sintetizadores e teclados criando uma massa sonora bastante instigante. Segundo ele, a possibilidade de tocar sozinho está possibilitando-o a conhecer o mundo. Esse é o poder da música. Em seguida, Maine Hermo: 4 mulheres fazendo uma trilha para viajar no cosmos com muito sentimento. Diego Presa fez seu folk com bastante propriedade e por último o grande final do Mercado Uruguay Musical: a Luana Mendez uma jovem cantoura com uma voz e um toque de arrepiar. Se pudesse sintetizar o que foi esse mercado, esse show seria um bom exemplo. Luana é incrível!

Meine Hermo. Foto: Paulo Zé Barcellos

Com isso, chega ao fim o 3° Mercado Uruguay Musical, com a promessa de uma 4° edição ainda mais intensa. Um dos Mercados que mais cresce seguramente. Havia espaço para crescer e a Cooparte, Fans de La Música conseguiram ver isso e estão fazendo um maravilhoso trabalho de fomento, alavancando a música uruguaia para muito além das fronteiras do país ou mesmo da Argentina, onde já existia uma intensa troca musical. Hoje, com potencial de exportação musical em crescimento, o Uruguai tem muito a colaborar no levante dos de baixo para desenvolvimento cultural e político dos países da América Latina. Até 2024! E que ainda esse ano possamos ver bandas e artistas uruguaios circulando pelo Brasil. 

Playlist Mercado Uruguay Musical:

VOLTAR