Por Oliver Kornblihtt
Escrevo essas palavras e estou desorientado, abalado, triste, com raiva. Zezé foi presa, condenada injustamente. “O processo dela transita em julgado”, me disseram, e isso significa que não se pode mais recorrer.
A Zezé, gente… a Maria Zezé… essa mulher guerreira que admiro, que conheci há 10 anos, quando estava recém-chegado em Brasília e fui cobrir as ocupações dos Sem Teto nas periferias do DF. Vi, em uma das reuniões de negociação do movimento com as autoridades, uma presença que me deixou sem palavras, com uma força e coragem que nunca antes tinha visto. A força da luta do povo sem teto resumida em uma mulher preta, retinta, maranhense, da periferia, que não baixava a cabeça para ninguém, que não aceitava desculpas, mentiras e falsas promessas, que botava o dedo na cara de todos esses burocratas e funcionários, sempre homens, sempre velhos, sempre brancos, que tentavam desviar, malversar e desconfigurar a luta do povo do DF por uma moradia digna. A Zezé não aceitava mentiras e não calava a boca. Na mesa de negociação, ela era um furacão, um verdadeiro pé no saco desses secretários de desenvolvimento urbano ou representantes do ministério público, da CODHAB ou chefes de polícia.
É nas lutas e nas ruas que encontramos as pessoas incríveis
Foi nas lutas e nas ruas que a gente se encontrou, se reconheceu, virou amigo. Nas madrugadas frias da lona preta, da ocupação Maria da Penha Resiste em Planaltina, e tantas outras, nas fogueiras, na hora de puxar assembleia na saída do sol. Eu acompanhei muitos anos no DF as lutas, as derrotas e também as vitórias que a Zezé conquistou para o povo trabalhador sem teto de Planaltina. Eu vi o proceder dessa mulher, sua integridade, como ela tratava as pessoas e como ela liderava as ocupações e os assentamentos. A gente se emociona porque sabe tudo o que ela lutou para conseguir fazer valer direitos tão básicos, tão mínimos e tão distantes. A Zezé esteve sempre botando a cara no sol, botando o corpo, sustentando o peso da luta no sorriso, na força da convicção, na força do tambor. Conquistando teto.
Eu aprendi muito com a Zezé… mas muito mesmo. E hoje ela está presa, isolada, isso parece surreal. Presa injustamente, presa por lutar… presa por não baixar a cabeça para macho, presa por não baixar a cabeça para branco, presa por não ser submissa, por não aceitar a degradação, o destrato, por botar o dedo na cara de pessoas que sempre se incomodavam com a força dela. Porque só o fato dela existir questiona toda a lógica do poder. “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, diz Angela Davis. E a Zezé se movimenta, e isso pode ser muito perigoso e incomodar muito.
A Keka Bagno falou: “Falar de Zezé é falar de Iansã”, e eu concordo. “Rainha dos raios, tempo bom, tempo ruim.”
Zezé, minha irmã, é muito amor e admiração por você. Vamos lutar para mudar esse tempo ruim. Vamos lutar por você!