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Diário de Bordo #4: caravana amazônica percorre da Vila Bom Jardim à Terra Indígena Santana

por | maio 5, 2023

Confira como foi o 4° dia de viagem da primeira etapa da Casa NINJA Amazônia Tour

Foto: Jhenifer Catherine

Por Lidiane Barros

Chegamos ao 4° dia de viagem da Casa NINJA Amazônia. Dormimos na Vila Bom Jardim, distrito de Nobres, que fica a 180 km de Cuiabá. Acordamos com as araras azuis e canindé, de passagem para a Cachoeira Serra Azul, onde costumam “tomar um café”, leia-se, comer babaçu.

Da pousada seguimos para o Reino Encantado, um dos principais do circuito rio Salobra. O guia Marcos Alexandre explicou que ao longo do curso de água existem cinco destinos. E o Reino Encantado é um dos primeiros atrativos a serem consolidados, junto com o vizinho, o Aquário Encantado, um poço de águas cristalinas onde também é possível praticar a flutuação.

Marcos nos levou até a nascente principal do rio Salobra, onde passamos um tempo para adaptação e contemplação dos peixes. Próxima parada foi a segunda nascente, que é chamada Ressurgência. Neste ponto, o Salobra brota do fundo, formando vários olhos d´água. Diferente da nascente, onde brota das rochas, na Ressurgência surgem esses fervedouros por conta da areia sedimentada.

Então é aí que começa um percurso de descida do rio: são 800 metros de flutuação, na companhia dos peixes, principalmente, das piraputangas, em maior número. São mais de 35 espécies, entre elas, dourados, curimbatás, lambaris, cascudos e de hábitos noturnos que a gente não consegue ver de dia, como traíras e enguias. Nessas águas de temperatura constante de 25°, em qualquer época do ano, eles nadam tranquilos, pois o foco aqui a natureza conservada é que tem valor. A pesca é proibida, uma maneira de preservar essas espécies.

Terra Indígena Santana

Depois de visitar um dos lugares mais incríveis de Mato Grosso, Vila Bom Jardim, em Nobres, chegarmos a outro destino especial: a Terra Indígena Santana, do povo Bakairi. Foram dona Neuza e seu esposo, o cacique Paregupa que nos receberam em sua casa. Almoçamos galinhada com mandioca e arroz, estes dois últimos, cultivados na própria comunidade.

Mais de 60 famílias moram lá, desde que a terra foi demarcada. Segundo o cacique, em 1980. Antes disso, tiveram que lutar bravamente para expulsar os invasores que a partir de 1956 começaram a ameaçar a integridade do território. O cacique foi uma dessas pessoas que atuaram no enfrentamento. Vale ressaltar, nesta ocasião, visitamos a Aldeia Santana, na TI homônima. Próximas dali estão ainda as aldeias Canaã e Quilombo 2, também do povo Bakairi.

O cacique que há 20 anos assumiu a liderança da comunidade e hoje tem 73 anos, realça que mesmo com a terra demarcada, o estado é de vigilância. De outro lado, a comunidade está unida pela garantia de sustentabilidade, saúde e educação. As crianças frequentam diariamente as aulas na escola Marechal Cândido Rondon e o posto de saúde tem atendimento médico uma vez por semana. Se o caso for de urgência, é preciso recorrer a outras cidades, mas o conhecimento ancestral e a medicina tradicional continuam sendo acionados.

Dona Neuza, que está ligada às atividades do Distrito de Saúde Indígena, conta que as mulheres estão se organizando em torno de uma horta com plantas medicinais. Elas foram estimuladas por série de cursos que estão sendo realizados por parceiros, como o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).

É aí que entramos no assunto da arquitetura indígena. Neuza e o cacique nos levaram a uma casa que está sendo construída [e que possivelmente até a publicação deste texto já estará pronta]. Lá estavam erguidas as bases em madeira e ao lado, o principal material para a estrutura das paredes, o barro. Para a cobertura são utilizadas as folhas de buriti, que se coletadas e manuseadas no tempo e medidas corretas – segundo os saberes ancestrais do povo Bakairi – costumam durar mais de dez anos. A casa será doada à associação de mulheres que está prestes a ser consolidada.

Bem perto dali, no núcleo da aldeia há um espaço cultural cujo interior é inacessível às mulheres. A oca toda em folha de buriti guarda segredos restritos aos homens. Dizem que quem contar o que vê ali, pode sofrer consequências trágicas. Da equipe Ninja, Gian Martins teve autorização para entrar lá, mas é claro que ele não nos contou nada. Nosso palpite é de que ele nunca mais será o mesmo, até porque, foi um grande privilégio.

Segundo o cacique Paregupa é ali que ocorre uma das principais festas do calendário da comunidade. O Dia dos Povos Indígenas é celebrado com a dança do Kapa, ponto alto de momentos divertidos em comunidade.

Dali seguimos para a casa da Dona Vilma, que é benzedeira. Na interação com dona Neuza, ambas falaram da importância da transmissão de saberes aos mais jovens, para que as tradições do povo Bakairi não se diluam com o passar do tempo. Por lá também tivemos uma demonstração especial da produção de uma rede. O povo Bakairi tem muita aptidão para a arte da tecelagem, intrinsecamente vinculada à sua cultura. Dona Neuza contou que antes, o povo plantava o algodão que era usado na produção das redes. E anunciou que já estão se organizando para retomar essa prática.

Por fim, saímos de lá felizes da vida pela experiência, munidos com gengibre e erva santa-maria da horta de dona Neuza e carregando ainda em sacola, o aroma incomparável dos limões-rosa do pomar do seu quintal.

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