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Sobre a velhice

por | maio 19, 2023

Por Everardo de Aguiar Lopes

Você já se imaginou uma pessoa idosa? Não. Pois faça um teste e seja velho ou velha por um dia, em um país onde a população acredita e age como se fosse viver eternamente jovem.

Sou uma pessoa idosa, tenho 67 anos e não dirijo há 30 anos, faço tudo que preciso fazer; trabalhar, visitar amigas e amigos, ir ao cinema, ir ao shopping, visitar minha família, namorar, estudar ou ir em seminários ouvir ou dar palestras, interajo com vários movimentos culturais, sociais e político, faço tudo isso de ônibus, metrô, ou por transporte de aplicativos, carona ou a pé. E faço bem e com amor.

Não é fácil. Mas, continuo fazendo tudo que eu tenho desejo e condições de fazer fisicamente ou financeiramente. Vivo a minha velhice.

Às vezes me dá uma tristeza e não são poucas vezes, quando o motorista ou cobrador do ônibus que mal olha na minha cara, quando sento ali naquele curralzinho próximo deles. Para alguns motoristas e cobradores parece que sentou um fardo, um não humano. Outros, que são minoria, tratam muito bem. No metrô, um dia desses, um funcionário me perguntou se eu tenho 65 anos, com a identidade na mão respondi que sim, ele fez questão de ver e disse simplesmente – “pode passar”. Sem nenhuma empatia.

Para os desavisados, ser confundido com uma pessoa mais jovem parece um elogio. Pra mim, que venho me dedicando a perceber, vivenciar e a estudar sobre longevidade e desenvolver projetos com pessoas idosas, sei que essa reação do funcionário do metrô é pura e simplesmente preconceito (idadismo ou ageismo). Ele é daqueles que acha que existe a juventude eterna ou que quando chegamos aos 60 ou mais, é para ficarmos em casa, ou acredita que com 60 ou mais, estamos caquéticos. Tenho vários outros exemplos, mas, vou deixar para outros artigos. O que eu gostaria de deixar aqui como uma reflexão é que somos pessoas idosas com muito orgulho. Vivemos pelo menos a metade do século XX e já estamos caminhando para vivenciar 1/4 do século XXI. Estou dizendo, vivenciando, trabalhando no que amo, mantendo as amizades que reconheço como importantes pra mim e criando novas amizades. Abandonei aquele negócio de acumular coisas, ter mais roupas e sapatos do que o necessário, ter centenas ou milhares de livros que não vou ler mais, deixei de guardar pendrive e nada de 24 jogos pratos e talheres entre tantas outras coisas que enchem armários e caixas e a gente vê uma vez ou outra, quando isso é possível.

 Não devo banco e nada de crediário. Devo muitos almoços e cafés e colaboração fumaceira de amigos e amigas, mas, não devo nada a ninguém moralmente ou eticamente. Nada de farra exagerada, nada de querer esconder as rugas que são as minhas marcas da resiliência e das pequenas conquistas pessoais e coletivas.

Vivo a minha velhice e agora contando em forma de projeto as minhas histórias de vida no Projeto – Eu conto a minha história e nada de segredos (só não conto a minha intimidade e não falo de religião). Estou mais confiante que para vivenciar a velhice é ter mais um desafio enorme a ser superado e, para isso, precisamos de muita confiança, lealdade e coerência. 

Viver a velhice é mais consequente e saudável do que viver na velhice. Não é um favor de ninguém viver a velhice, é um modo de vida.

Distribuição e reconhecimento de vários conhecimentos da minha e de outras gerações em ambientes cognitivos é fundamental para compreender como chegamos a vivenciar a velhice de forma mais preparada emocionalmente, mais saudável, mais desapegado de coisas materiais que não fazem mais sentido pra nós. Portanto, vivenciamos a velhice com mais alegria e confiante de que muito das nossas reivindicações de hoje um belo dia será apenas fatos da história. Claro que precisamos de hospitais, gerontólogos, escolas, assistência social, centro de convivência, lazer e etc, mas, precisamos mesmo é ser velhos e velhas que convivem em sistemas cognitivos e colaborativos, exercitando o compartilhamento dos meios, tais como o recursos financeiros, agendas e missões de forma coletiva para continuar vivenciando já que o tempo é a coisa mais preciosa e valiosa na vida, até que chegue uma hora que tempo se encarrega de nos colocar em outra dimensão e, quem sabe, na outra dimensão já estejamos mais preparados para conviver nesses ambientes cognitivos desde os primeiros passos. 

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