Sequência do clássico dos anos 2000, o filme só quer uma coisa: te fazer feliz
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Todo mundo já ouviu falar de “Ó Paí Ó”. Comédia musical estrelada por Lázaro Ramos, dirigida por Monique Gardenberg e inspirada em uma bem sucedida peça do Bando de Teatro Olodum. Do elenco que tinha com nomes como Wagner Moura e Dira Paes à cena imortal onde Roque confronta o racismo de Boca, o filme é um ícone da arte brasileira protagonizado por pessoas negras, uma jóia na coroa do cinema do nosso país.
Agora me diga: Como fazer a magia acontecer novamente? Como lembrar a audiência que Roque merecia ter sua história contada de novo ao mesmo passo que novos personagens surgem? Como entregar uma cena digna de cortes de Tik Tok? E como fazer isso depois de 4 anos de desmantelamento da cultura em nosso país? Essa responsabilidade cai sob os ombros de Viviane Ferreira, diretora da sequência e uma fundadoras da Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (APAN).
Fui tirar a prova em 13 de novembro de 2023. São 6072 dias desde 30 de março de 2007, data do lançamento do primeiro filme. Vou nervosa para sala de cinema, desejando o melhor para todos os envolvidos, pois havia muito em jogo. O legado do primeiro filme, a importância dele na carreira de Lázaro, o compromisso com uma das histórias mais célebres do Bando de Teatro Olodum, as dúvidas sobre o que mudaria agora que havia uma diretora negra à frente do projeto, se a história valeria a pena rodar as câmeras, a simbologia de fazê-lo no Novembro Negro, a gritaria da extrema direita convocando um boicote… Eu estava nervosa por eles.
O filme começa. No primeiro frame minha tensão se desfaz e dali em diante abri um sorriso.
Entrevistas realizadas com elenco e direção do filme
Primeiro que não há como resistir ao carisma de Roque/Lázaro. Bastaram segundos para ser transportada pro Pelô, que morro de saudade, quase podendo sentir o cheiro do dendê das baianas em cada esquina no bairro histórico. Com o kikiki do grupo de amigos para salvar o bar, eu me senti na sala de casa vendo o desenrolar de mais uma missão possível somente para esse grupo de pessoas.
Assim como na vida, tudo no filme beira o sutil e o escancarado. Há 15 anos atrás, o cenário da militância negra e o que era entendido como racismo no Brasil era muito diferente. O filme deste ano traz à tona temas como intolerância religiosa, transfobia e gentrificação como quem joga capoeira: hora com a benção do pé no peito do desavisado, hora no gingado dissimulado para seguir em frente sem perder o réu primário.
As relações de amor, desejo e afeto são tão diversas quanto a vida real. O novinho tá encantado com a travesti, um trisal momentâneo toma banho de mangueira, a policial deixa subentendido suas intenções com a dona do salão e ninguém está realmente preocupado em entender quem é a mãe e quem é o pai entre Yolanda e Neusão. As pessoas simplesmente são. Porque nós negros simplesmente somos.
O que não pode passar desapercebido é que um dos personagens principais desse filme é a paternidade. Salvador (interpretado por João Pedro) torna Roque um dos melhores exemplos de paternidade negra que temos no cinema BR. A criança não é um penduricalho narrativo que só é lembrada quando precisamos de um alívio cômico. Ele questiona seu pai sobre sua fé cega em um futuro de sucesso na música, ele lembra seu pai que sua mãe é de fato muito inteligente, ele está ao lado do seu pai durante o discurso contra o branco apropriador, ele cita Conceição Evaristo, ele ajuda a resolver o crime que devolve o bar à Neusão. E Roque o enxerga em todos esses lugares, está lá segurando sua mão, abraçando e cuidando.
Por outro lado, o brilho e profundidade do filme é entregue pelas mulheres. Sim, Lázaro sempre vai ser o rosto de Ó Paí Ó, mas é Luciana Souza, Tânia Tôko, Cássia Vale e Lyu Arisson, a lista imensa de mulheres na frente e atrás das câmeras, que imortalizaram o sentimento de família e a coletividade – um valor tão importante para o Bando de Teatro Olodum quanto pra mim que escolhi a vida em comunidade. O cuidado fica nítido na delicada homenagem feita à passagem de Auristela Sá, atriz do Bando que não pôde reprisar seu papel. Dá pra ver que é uma mulher na batuta, dá pra perceber que são atrizes que sabem da importância do que fazem, dá pra sentir que as yabás estão do nosso lado.
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Preciso assumir também que cometi a contravenção de tirar fotos da tela na sessão de pré-estreia porque queria muito me lembrar dos momentos que me fizeram chorar em meio a uma comédia. Os famosos momentos “fui rir e chorei”. Ambos são protagonizados por Luciana Souza. Dona Joana é a representação da pessoa que esquerda e direita dão as mãos para rechaçar por muitas vezes: mulher, velha, negra, evangélica. E é com ela que aprendi a melhor forma de descrever a falta que os nossos fazem: “estou oca no peito”. As sessões de terapia dela foram minhas sessões de terapia, o choro e alucinações dela são minhas reações à nossa dor coletiva e até a busca de uma religião que ela não acredita para acalentar seu coração é algo que vivi pessoalmente. Fico aliviada ao saber que naquele filme nós duas tivemos um final feliz.
E o final feliz é importante! A real é que “Ó Pai Ó” é o que Hollywood chama de “feel good movie”. Você vai sair do cinema se sentindo feliz. E vai fazer isso assumindo suas contradições, lembrando que a gente ri do que é dito bobo e isso nos torna alguém real.
Vai ver isso quando Roque toma cuidado o suficiente de dizer “todes” no seu hit de verão, mas manda o seu empresário “tomar no cu” sem cerimônias. Quando vemos o poder de Oxum levar folhas para o Dique do Tororó, uma jogada digna da sessão da tarde. Quando Reginado/Érico Brás tenta desenrolar com toda e qualquer mulher que vê pela frente. Quando vê o jovem elenco apresentar uma animação no metaverso para resolver o crime central do filme.
Você vai sorrir porque ser feliz é importante. Tão importante quanto lutar contra o racismo. Ó Pai Ó 2 sabe disso e faz o que faz porque quer ver negros felizes. E negro é a raiz da liberdade.